Na tarde de segunda-feira, 8 de dezembro de 2025, em Franca, interior de São Paulo, um encontro aparentemente comum se transformou em um dos momentos mais discutidos da internet brasileira. Bruno Ferrari, de 29 anos, registrou em redes sociais o encontro com Elize Cristina Uemura Matsunaga — a mulher condenada pelo assassinato e desmembramento do marido, Marcos Kitano Matsunaga, herdeiro do grupo Yoki Alimentos — enquanto ela caminhava pela cidade, vestindo shorts e uma camiseta de estampa floral marrom, com o cabelo curto. O que parecia um simples clique de fã virou um espelho da sociedade: até onde vamos na normalização de criminosos que cumpriram pena? E o que significa, de fato, reabilitação?
Um encontro tranquilo, uma reação explosiva
Ferrari, acompanhado da tia, disse ter hesitado em abordar Elize. Mas foi ela quem, sem hesitar, respondeu com um simples “Pode, claro!” quando a tia pediu permissão para uma foto. “Ela foi super simpática, perguntou onde eu morava”, contou Ferrari em vídeo. “Foi muito fofa, muito gentil comigo e com a minha tia. E eu gelei, realmente sou muito fã dela.” A foto, intitulada “Nossa diva Elize”, circulou em TikTok, Instagram e Twitter, gerando mais de 2,3 milhões de visualizações em 48 horas.
As reações foram polarizadas. Um usuário escreveu: “Ao lado da Queen. Você sabe que venceu.” Outro, mais contundente: “Não devemos normalizar crimes. Jamais.” A tensão entre empatia e justiça nunca esteve tão visível — e tão pessoal.
Do cárcere ao empreendedorismo: a vida após a prisão
Elize Matsunaga foi condenada em 2012 por homicídio qualificado e ocultação de cadáver. O caso, conhecido como “o caso de Tremembé”, chocou o Brasil pela brutalidade: Marcos Kitano Matsunaga foi morto, esquartejado e seus restos jogados em lixo de condomínio. A sentença inicial foi de 19 anos e 11 meses, reduzida para 16 anos e 3 meses em 2019 pelo Superior Tribunal de Justiça. Ela cumpriu cerca de 10 anos na Penitenciária de Tremembé, em São Paulo, e foi liberada em regime aberto em maio de 2022.
Desde então, ela evitou o centro das atenções. Mas não ficou parada. Durante a prisão, registrou-se como Microempreendedora Individual (MEI) em 2019 — um passo estratégico para reconstruir sua vida. Inicialmente trabalhou como motorista de aplicativo, mas, conforme relatado por Ferrari e confirmado por fontes locais, abandonou a função por causa da “exposição excessiva”. Hoje, ela fabrica e vende roupinhas de pet — uma atividade que aprendeu na prisão, costurando roupas para cães e gatos dos outros presos. O negócio, ainda modesto, é feito sob encomenda e vendido por redes sociais. “Ela não trabalha mais de Uber, ela faz roupinha de pet”, disse Ferrari. “Mas não sei o nome da loja.”
Por que Franca? A escolha do silêncio
Franca, a 400 km de São Paulo, é uma cidade de cerca de 350 mil habitantes, conhecida por sua indústria calçadista e clima mais tranquilo. Elize escolheu o local não por acaso. É um lugar onde ninguém a conhece — ou, ao menos, não a reconhece como a mulher do caso mais macabro da década. Fontes da prefeitura confirmam que ela não aparece em eventos públicos, não dá entrevistas e mantém um perfil discreto. A cidade, por sua vez, não a expulsou. Não a acolheu. Simplesmente a deixou em paz.
Isso é raro no Brasil. Enquanto países como a Noruega investem em reintegração social com programas de emprego e terapia, aqui, ex-presos enfrentam o julgamento social mesmo após o cumprimento da pena. Elize não é a primeira, nem será a última. Mas seu caso é único por um detalhe: ela virou, sem querer, uma espécie de ícone pós-prisão — uma figura ambígua entre vítima, criminosa e empreendedora.
Quem é Marcos Kitano Matsunaga? E por que o caso ainda dói
Marco Kitano Matsunaga, 38 anos, era herdeiro de uma das maiores fortunas do setor alimentício brasileiro. A família Yoki Alimentos, fundada em 1952, é sinônimo de sorvetes e alimentos congelados em todo o país. Sua morte, em 2012, não foi apenas um crime — foi um golpe na imagem de uma classe média alta que acreditava estar imune à violência. O caso foi transmitido ao vivo pela mídia por meses. Fotos do corpo desmembrado vazaram. O nome de Elize virou sinônimo de maldade. Mas o tempo não apagou o trauma. Nem a dor da família. Nem a culpa coletiva de um país que se encantou com o drama.
Hoje, sua sentença oficial termina em 2028. Mas, em regime aberto, ela pode ser presa novamente se violar qualquer condição — como se afastar da região de Franca ou manter contato com pessoas envolvidas no crime. Até agora, nada disso aconteceu.
O que isso revela sobre o Brasil?
O encontro entre Bruno Ferrari e Elize Matsunaga não é só sobre uma foto. É sobre o que nós, como sociedade, permitimos que as pessoas se tornem. Um ex-presidiário pode ser um ex-assassino? Ou pode ser um pai, uma mãe, um empreendedor? O sistema judicial diz que, após o cumprimento da pena, a pessoa é reintegrada. Mas a sociedade? A sociedade ainda está em dúvida.
Elize não pediu fama. Não buscava viralizar. Mas a internet, com seu gosto por tragédias e redenção, fez dela uma figura — mesmo que contraditória. E isso nos obriga a perguntar: quando a pena acaba, a justiça realmente termina? Ou apenas muda de forma?
Frequently Asked Questions
Como é possível que Elize Matsunaga tenha uma empresa depois de um crime tão grave?
No Brasil, a lei garante o direito de ex-presos se tornarem microempreendedores individuais (MEI) após a liberação. Elize registrou seu negócio em 2019, enquanto ainda estava presa, como parte de um programa de reabilitação. A atividade de confecção de roupas para animais não exige licenças específicas e pode ser feita de forma remota — o que facilita a manutenção da privacidade e a evitação de exposição pública.
Por que o encontro gerou tanta reação negativa?
Muitos veem o encontro como uma banalização de um crime extremamente violento. O caso de Marcos Kitano Matsunaga foi um dos mais assistidos da história da imprensa brasileira, e a memória coletiva ainda está marcada pela brutalidade. Normalizar a presença de Elize, mesmo que ela tenha cumprido pena, é visto por muitos como uma ofensa às vítimas e à justiça.
Ela ainda pode ser presa novamente?
Sim. Embora esteja em regime aberto, Elize ainda está sob supervisão judicial até 2028, quando sua pena termina oficialmente. Qualquer violação — como se afastar da região determinada, manter contato com familiares da vítima ou cometer novo delito — pode levar à prisão imediata. Até agora, não há registros de infrações.
O que os especialistas dizem sobre o caso?
Psicólogos e criminólogos apontam que o caso reflete um déficit de políticas públicas de reintegração. Enquanto países como a Alemanha e o Canadá oferecem apoio psicológico e empregabilidade a ex-presos, no Brasil, a maioria é deixada à própria sorte. Elize é um exemplo de superação — mas também de um sistema que não a ajudou, apenas a soltou.
O que acontece se Elize for reconhecida em outro lugar?
Nada, legalmente. Ela tem direito à vida privada e à identidade, mesmo após o crime. Mas socialmente, o risco é alto: assédio, ameaças e até ataques físicos já ocorreram com outros ex-presos em casos semelhantes. A polícia de Franca afirmou que não há ordens de proteção ativas, mas mantém monitoramento discreto por causa da repercussão.
O caso de Elize Matsunaga é único no Brasil?
Não. Outros ex-presos de crimes famosos, como o caso do “assassino do condomínio” em Belo Horizonte e a ex-presidiária do crime da “Casa da Mãe Joana”, também tentam reconstruir vidas. Mas poucos têm tanta visibilidade quanto Elize — e poucos são tratados como ícones por fãs. Isso torna seu caso um ponto de virada na discussão sobre justiça, redenção e mídia.